Vives na certeza de que nada é certo,
olhas o teu mundo e vês que ele é deserto.
Sentas-te a pensar se algum dia vai mudar
e percebes que mais só nunca hás de ficar.
Vives na certeza que o ar que respiras
é teu como um direito, e é tudo o que precisas.
Um fiel companheiro de uma vida sem sentido,
numa ânsia de alcançar o que foi prometido.
Foi aquela voz doce que te seduziu.
Levou-te por caminhos escuros.
Despistou-te.
Partiu.
Não deixou morada, nem nome, nem nada,
apenas a ti, sozinho, na berma da estrada.
O que recordas, para além do trago amargo dessa noite enevoada?
Eu sei.
Promessas de amor que agora são nada.
Desabafos do Penhasco
domingo, 4 de outubro de 2015
sábado, 3 de janeiro de 2015
Relatos de uma mente doente - Parte II
«Tudo o que conseguia ver era uma imagem embaciada e turva da realidade. Um par de luzes intermitentes perfurava a neblina da minha vista e alucinava-me. As paredes claras, pelo que percebi, formavam um extenso corredor pelo qual me deslocava, não pelo meu próprio pé, mas havia algo que me transportava numa posição horizontal e pouco confortável. Algo que prendia o corpo contra uma superfície acolchoada e áspera. Pessoas em uniformes brancos não identificáveis empurravam o meu meio de transporte: uma simples maca igual a tantas outras, especulei eu.
O longo corredor, o qual imaginei com negros azulejos bem polidos e que constatei não ter qualquer adorno nas paredes, constituía o percurso que separava a entrada daquele hospital de algum outro lugar naquele edifício. Apercebi-me disso depois de me terem empurrado, sempre num passo calmo e despreocupado até ao fim desse túnel branco. Uma porta encerrava aquele corredor. Nessa altura a curiosidade e o medo impeliram-me a analisar a porta. Os vidros martelados e tingidos de cinzento não deixavam antever nada do que pudesse estar do outro lado. A porta encontrava-se fechada. Acima desta um letreiro: Ala 2. Fiquei sem perceber o seu significado. Olhei em volta, sempre com a cabeça empurrada contra o colchão. Transpusemos aquela porta, e eu continuei a olhar, agora com maior clareza. O tecto continuava igual. As mesmas luzes permaneciam intermitentes à minha passagem, contudo as paredes não eram de todo idênticas. Estranhamente, de tempos a tempos pedaços de parede transformavam-se momentaneamente em celas de reclusão. Até então, apenas as suas pesadas portas brancas com pequenos gradeamentos nos separavam. Não se ouvia coisa nenhuma para além do ruído de fundo dos eixos das rodas, um chiar fininho e perturbador que provinha daquela cama deambulante. Assustei-me a sério. Estava preso a uma maca, em sítio indeterminado e alguém me encaminhava, pensava eu, para uma cela similar aquelas que tinha visto. Não sabia o porquê. Aliás, não sabia de nada. Tinha já tentado recordar qualquer coisa que fosse, mas as tentativas foram em vão. As cortinas das minhas memórias estavam corridas, e eu nada podia fazer. Assim permaneci, num pânico desolado. Parámos.
A paragem foi abrupta, o que me casou um calafrio. O meu coração bombeavam sangue numa frequência elevada e eu começava a ficar agitado. Debati-me como um louco, - atentem na ironia de toda esta descrição, - contra as amarradas que me sustinham o corpo naquela posição, inutilmente, pois nada havia a fazer. Um som metálico atravessou o ar e a pesada porta branca, que a mim destinada, abriu-se. Penetrei na sala com a ajuda daqueles indivíduos e estaquei junto a uma das parede do meu lado direito. Alguém se aproximou de mim. Uma mulher. A minha breve análise facial disse-me que deveria estar na casa dos cinquenta. Não lhe dava mais. As suas feições eram carregadas e o seu olhar era do mais sério que vi até hoje. Usava um uniforme branco e sobre as mãos umas luvas de latex, também elas brancas. A senhora acercou-se de mim, parando à minha beira. Não conseguia ver com clareza o objecto que ela trazia na mão esquerda, mas no momento seguinte logo me apercebi. Com a mão direita que estava disponível desabotoou o botão do punho da minha vestimenta, arregaçando-me a manga até cima. Nesse instante pude olhar, ainda que a custo, para baixo, - esteja subentendido que me encontrava numa posição tal que me era impossível mover a cabeça com a liberdade necessária para obter um panorama mais completo e detalhado,- e olhar pela primeira vez de relance para a minha vestimenta. Trazia no corpo um uniforme amarelo, apenas com um número estampado em branco na fronte: 71. Não havia separação entre a parte anterior e posterior do meu fato. Desconhecia o que aquele número significava, porém achava que era o que o identificava, ali dentro. Foi depois desta breve inspecção à minha indumentária que me apercebi que uma seringa, contendo um conteúdo translúcido, estava a ser preparada por aquela senhora. Entregou o utensílio a alguém que se encontrava ali, mas fora do meu campo de visão, e retirou um elástico comprido e alaranjado do bolso da bata. Com a mestria de uma enfermeira experiente, - calculei eu que fosse, sempre na minha pobre ignorância,- atou o elástico com força, um pouco acima do meu cotovelo. Enquanto tomava de novo posse da seringa, sentia-a a bater compassadamente com o médio e o indicador, numa zona específica do meu braço. Quando as batidas pararam foi quando senti o pequeno instrumento a perfurar ao de leve a minha pele e a injectar o que quer que fosse no meu organismo. Estava com medo. Nada fazia o devido sentido para mim, e desesperava por explicações. Intrigava-me sobre a realidade e o sonho. Estava confuso e perdido no terror das minhas inseguranças no momento que o frio me subiu pelo braço acima, a uma velocidade alucinante. A minha nuca esfriou por um breve instante. Depois disso, adormeci.»
Paciente 71.
Primeira parte do tratamento.
Registo dos acontecimentos do dia anterior por escrito, por parte do paciente.
3 de Maio, dia seguinte à sua chegada ao Hospital.
Mr. John foi internado no Hospital Psiquiátrico no qual eu fiz o meu internato, e o qual frequento regularmente na minha busca do conhecimento total sobre a mente humana. A minha sugestão foi aceite de bom grado pela família mais próxima do paciente. A sua situação agravara-se nas últimas semanas. Os seus comportamentos revelaram-se perigosos para si próprio. O seu próximo passo poderia-o ter deixado a uma curta distância do abismo da auto-destruição. Todos podem ser tratados, segundo acho. Agora que o tenho a meu cuidado, terei a oportunidade de o estudar e por fim, curá-lo. Devo trazê-lo de volta da escuridão na qual ele se encontra envolto, impotente. O paciente encontra-se sedado. Deixei-o na sua cela poucos minutos após a entrevista.
Esta foi a pequena exposição do paciente tendo em conta os acontecimentos do dia de ontem, a sua chegada ao hospital. Acredito que desta maneira o paciente aos poucos retome a sua consciência sobre o que é verdadeiro nisto tudo. Encontra-se ainda em negação, segundo me pareceu durante a consulta que levei a cabo hoje de manhã. Acredita que se encontra preso numa das suas ilusões, convencendo-se nada disto é real, como eu próprio lhe tinha dito sobre as suas recorrentes alucinações passadas. Temo que apenas o tempo o pode ajudar a acreditar de novo que isto é a verdadeira realidade, a nossa realidade. Talvez nessa altura o possa verdadeiramente ajudar a voltar ao que era antes, o pacato John Wayworth.
O longo corredor, o qual imaginei com negros azulejos bem polidos e que constatei não ter qualquer adorno nas paredes, constituía o percurso que separava a entrada daquele hospital de algum outro lugar naquele edifício. Apercebi-me disso depois de me terem empurrado, sempre num passo calmo e despreocupado até ao fim desse túnel branco. Uma porta encerrava aquele corredor. Nessa altura a curiosidade e o medo impeliram-me a analisar a porta. Os vidros martelados e tingidos de cinzento não deixavam antever nada do que pudesse estar do outro lado. A porta encontrava-se fechada. Acima desta um letreiro: Ala 2. Fiquei sem perceber o seu significado. Olhei em volta, sempre com a cabeça empurrada contra o colchão. Transpusemos aquela porta, e eu continuei a olhar, agora com maior clareza. O tecto continuava igual. As mesmas luzes permaneciam intermitentes à minha passagem, contudo as paredes não eram de todo idênticas. Estranhamente, de tempos a tempos pedaços de parede transformavam-se momentaneamente em celas de reclusão. Até então, apenas as suas pesadas portas brancas com pequenos gradeamentos nos separavam. Não se ouvia coisa nenhuma para além do ruído de fundo dos eixos das rodas, um chiar fininho e perturbador que provinha daquela cama deambulante. Assustei-me a sério. Estava preso a uma maca, em sítio indeterminado e alguém me encaminhava, pensava eu, para uma cela similar aquelas que tinha visto. Não sabia o porquê. Aliás, não sabia de nada. Tinha já tentado recordar qualquer coisa que fosse, mas as tentativas foram em vão. As cortinas das minhas memórias estavam corridas, e eu nada podia fazer. Assim permaneci, num pânico desolado. Parámos.
A paragem foi abrupta, o que me casou um calafrio. O meu coração bombeavam sangue numa frequência elevada e eu começava a ficar agitado. Debati-me como um louco, - atentem na ironia de toda esta descrição, - contra as amarradas que me sustinham o corpo naquela posição, inutilmente, pois nada havia a fazer. Um som metálico atravessou o ar e a pesada porta branca, que a mim destinada, abriu-se. Penetrei na sala com a ajuda daqueles indivíduos e estaquei junto a uma das parede do meu lado direito. Alguém se aproximou de mim. Uma mulher. A minha breve análise facial disse-me que deveria estar na casa dos cinquenta. Não lhe dava mais. As suas feições eram carregadas e o seu olhar era do mais sério que vi até hoje. Usava um uniforme branco e sobre as mãos umas luvas de latex, também elas brancas. A senhora acercou-se de mim, parando à minha beira. Não conseguia ver com clareza o objecto que ela trazia na mão esquerda, mas no momento seguinte logo me apercebi. Com a mão direita que estava disponível desabotoou o botão do punho da minha vestimenta, arregaçando-me a manga até cima. Nesse instante pude olhar, ainda que a custo, para baixo, - esteja subentendido que me encontrava numa posição tal que me era impossível mover a cabeça com a liberdade necessária para obter um panorama mais completo e detalhado,- e olhar pela primeira vez de relance para a minha vestimenta. Trazia no corpo um uniforme amarelo, apenas com um número estampado em branco na fronte: 71. Não havia separação entre a parte anterior e posterior do meu fato. Desconhecia o que aquele número significava, porém achava que era o que o identificava, ali dentro. Foi depois desta breve inspecção à minha indumentária que me apercebi que uma seringa, contendo um conteúdo translúcido, estava a ser preparada por aquela senhora. Entregou o utensílio a alguém que se encontrava ali, mas fora do meu campo de visão, e retirou um elástico comprido e alaranjado do bolso da bata. Com a mestria de uma enfermeira experiente, - calculei eu que fosse, sempre na minha pobre ignorância,- atou o elástico com força, um pouco acima do meu cotovelo. Enquanto tomava de novo posse da seringa, sentia-a a bater compassadamente com o médio e o indicador, numa zona específica do meu braço. Quando as batidas pararam foi quando senti o pequeno instrumento a perfurar ao de leve a minha pele e a injectar o que quer que fosse no meu organismo. Estava com medo. Nada fazia o devido sentido para mim, e desesperava por explicações. Intrigava-me sobre a realidade e o sonho. Estava confuso e perdido no terror das minhas inseguranças no momento que o frio me subiu pelo braço acima, a uma velocidade alucinante. A minha nuca esfriou por um breve instante. Depois disso, adormeci.»
Paciente 71.
Primeira parte do tratamento.
Registo dos acontecimentos do dia anterior por escrito, por parte do paciente.
3 de Maio, dia seguinte à sua chegada ao Hospital.
Mr. John foi internado no Hospital Psiquiátrico no qual eu fiz o meu internato, e o qual frequento regularmente na minha busca do conhecimento total sobre a mente humana. A minha sugestão foi aceite de bom grado pela família mais próxima do paciente. A sua situação agravara-se nas últimas semanas. Os seus comportamentos revelaram-se perigosos para si próprio. O seu próximo passo poderia-o ter deixado a uma curta distância do abismo da auto-destruição. Todos podem ser tratados, segundo acho. Agora que o tenho a meu cuidado, terei a oportunidade de o estudar e por fim, curá-lo. Devo trazê-lo de volta da escuridão na qual ele se encontra envolto, impotente. O paciente encontra-se sedado. Deixei-o na sua cela poucos minutos após a entrevista.
Esta foi a pequena exposição do paciente tendo em conta os acontecimentos do dia de ontem, a sua chegada ao hospital. Acredito que desta maneira o paciente aos poucos retome a sua consciência sobre o que é verdadeiro nisto tudo. Encontra-se ainda em negação, segundo me pareceu durante a consulta que levei a cabo hoje de manhã. Acredita que se encontra preso numa das suas ilusões, convencendo-se nada disto é real, como eu próprio lhe tinha dito sobre as suas recorrentes alucinações passadas. Temo que apenas o tempo o pode ajudar a acreditar de novo que isto é a verdadeira realidade, a nossa realidade. Talvez nessa altura o possa verdadeiramente ajudar a voltar ao que era antes, o pacato John Wayworth.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
A morte veio de cima.
No alto da montanha ele espera
por algo que possa acontecer.
Não sabe quando nem o quê,
apenas sabe que não o vai perder.
«Será o momento do 'grande espectáculo'?»,
pergunta o sábio às aves que passam.
E com o mais belo dos silêncios elas lhe respondem
fitando pontos negros no infinito horizonte,
nesse mar feito de ar e de coisas invisíveis.
E então algo acontece:
o zumbido torna-se grito e abraça-o,
louco, revolto, inesperado.
A mágoa personificada em labaredas infernais
que incessantemente envolvem a terra e os demais,
queimando-a, matando-os,
pintando a tela de negro.
Tudo isto num momento, apenas.
Nesse dia, a morte veio de cima.
por algo que possa acontecer.
Não sabe quando nem o quê,
apenas sabe que não o vai perder.
«Será o momento do 'grande espectáculo'?»,
pergunta o sábio às aves que passam.
E com o mais belo dos silêncios elas lhe respondem
fitando pontos negros no infinito horizonte,
nesse mar feito de ar e de coisas invisíveis.
E então algo acontece:
o zumbido torna-se grito e abraça-o,
louco, revolto, inesperado.
A mágoa personificada em labaredas infernais
que incessantemente envolvem a terra e os demais,
queimando-a, matando-os,
pintando a tela de negro.
Tudo isto num momento, apenas.
Nesse dia, a morte veio de cima.
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
'Dr. K. - O Médico de tudo.'
Naquela
madrugada de Junho, toda a cidade acordava sob uma neblina inesperada face aos
dias quentes e solarengos dos últimos dias. O sol desaparecera do céu e dera
lugar a escuras nuvens que se amontoavam sem pedir licença, ameaçando com chuva
toda a região. Foi com este cenário que K. se deparou após se ter levantado a
custo da sua cama.
Dirigindo-se
à cozinha, ainda com os músculos entorpecidos da estranha posição em que
adormecera, deu início à sua habitual rotina. Preparou uma chávena de café
forte e retirou um cigarro da cigarreira que se encontrava de cima da mesa
principal, exactamente onde se lembrava de a ter deixado. Percorreu com o olhar
a vista que a janela da cozinha lhe proporcionava e ficou momentaneamente
indignado com o estado do tempo naquela manhã. Eram seis e meia da manhã e o
sol não brilhava no céu, onde, ao invés, um temporal se fazia adivinhar.
Inconformado com este facto, K. acendeu o seu cigarro enquanto desfrutava do
seu café que entretanto ficara pronto.
Caminhou
pesadamente até uma divisão adjacente à cozinha. Percorreu a sala em direcção a
uma pequena mesa junto à sua poltrona de eleição e, inclinando-se sobre o rádio
que aí repousava premiu o botão que o ligava, sentando-se de seguida na poltrona.
O aparelho estava já programado para sintonizar de imediato a rádio local e,
nesse momento, dele soava a voz profunda do locutor, dando conta das notícias
do dia:
"...
três acidentes na saída norte da cidade, mas felizmente não se registaram
vítimas mortais. Contudo, a Polícia e a Protecção Civil pediram-nos para
alertarmos todas as pessoas que estão de momento na estrada, ou que fazem
tenção de fazer uso delas, para o temporal que se poderá fazer sentir a
qualquer momento e que pode criar dificuldades acrescidas na condução. Por isso,
pedimos a todos que tenham o máximo cuidado na estrada, pois a velha máxima
aplica-se sempre: mais vale prevenir que remediar!
Assim
passamos para a previsão do tempo para hoje. Já aqui referimos várias vezes que
hoje se espera um temporal na nossa região, com ventos fortes e chuvas que
podem durar o dia todo até amanhã. Estão previstas uma temperatura máxima de
13ºC e uma mínima de 5ºC.
Depois
da actualização do trânsito e do tempo passamos rapidamente para um resumo
das notícias mais importantes do dia. Hoje ao início da tarde, o nosso
governador, Mr. Mark Reynolds, estará na Secundária Dr. Jenny Hopknis para mais
um dia de campanha para as eleições do próximo mês. O evento terá lugar no
grande auditório com o habitual discurso e ponto da situação, seguindo-se um
pequeno convívio no pavilhão desportivo da mesma escola. O evento tem início
marcado para as quinze horas.
A Polícia
encontra-se neste momento a investigar mais um caso de desaparecimento de gado,
o quinto no espaço de um mês. Segundo relatos de pessoas próximas da mais
recente vítima, o alegado roubo ter-se-á dado durante a noite, pelo que não há
testemunhas do mesmo. Agentes das autoridades competentes já se deslocaram ao
local a fim de se apurarem mais detalhes. Assim que se souberem mais informações
acerca destes estranhos incidentes, certamente iremos informar os nossos
ouvintes.
Deste modo regressamos
à música ao som de Chuck Berry, "Johnny B Goode", e eu volto já de
seguida para lhe dar conta de..."
Mas K.
desligara desajeitadamente o rádio, cortando a voz ao locutor e silenciando os
primeiros acordes da música, que já se faziam notar. Já havia terminado o seu
café da manhã e o seu cigarro, e precisava agora de se aprontar para o
trabalho. Levantou-se preguiçosamente da poltrona e dirigiu-se à cozinha para
deixar a caneca vazia, quando nesse preciso instante se começou a ouvir o
tamborilar crescente da chuva nos vidros das janelas. Com um longo suspiro e
semblante aborrecido foi até ao seu diminuto quarto a fim de se vestir. Pouco
depois, saía já devidamente trajado do aposento, ostentado um longo sobretudo
negro que lhe cobria totalmente o elegante fato de tweed cinzento. Penteando
distraidamente os seus cabelos loiros defronte do espelho da casa de banho, K.
nem se apercebera que trauteava a melodia da música que anteriormente não chegara
a ouvir, mas que conhecia de cor. Terminando abruptamente a cantoria e sorrindo
para o espelho, agradado com o seu arranjo final, dirigiu-se ao cabide no
corredor, onde tinha pendurado o sobretudo antes de se arranjar na casa de
banho.
Munindo-se
de um guarda-chuva e da sua pasta de couro castanho, um pouco coçada pelo uso intensivo,
mas que K. tanto estimava, abandonou assim a recatada habitação em direcção à
chuva que fustigava o passeio. Ouviu-se um último 'baque' e a porta de madeira
fechou-se atrás dele. Debatendo-se com a abertura do guarda-chuva ao mesmo
tempo que tentava a custo proteger a sua pasta da chuva, K. ia reflectindo em
voz alta, lançando injúrias sobre aquela estranha e pouco amistosa mudança do
tempo. Devidamente protegido e resguardado seguiu o seu caminho.
Não havia
dúvidas de que K. era minimamente respeitado naquela cidade. Um respeito
merecido na sua opinião, e a prova disso eram os acenos e cumprimentos que
recebia todos os dias quando se dirigia para o seu consultório: "Bom dia,
Mr. K.!" diziam uns, "Como está, Mr. K.? Já vai trabalhar?"
perguntavam outros, e ele lá lhes lançava um sorriso e pequenas frases feitas,
tentando não se alongar demasiado em conversa de circunstância. Porém, K. tinha
perfeita consciência do que algumas pessoas diziam sobre ele, sendo ele um
homem respeitável na casa dos quarenta, com posses e, mais importante,
solteiro! K. tornara-se assim num dos mais apetecíveis solteiros da cidade, e
por esse motivo era alvo de conversas por entre a população: "Oh, deixa-te
disso, mulher! Ele é solteiro mas é bom rapaz, e já sabes o que se diz, mais
vale só que mal acompanhado!", exclamara certa vez um conhecido seu à sua
mulher. A verdade é que K. não procurava a companhia feminina, muito pelo
contrário, eram elas que o procuravam a ele! Raras eram as vezes em que a troca
de palavras se estendia a mais que três ou quatro frases, contudo, os sorrisos
e risos à sua passagem eram uma constante, tornando-se eventualmente
irritantes. A única conclusão que se retira daqui é que K. apenas é solteiro
por opção. Certa vez, num serão em casa de um amigo seu, foi confrontado acerca
deste tema, a pedido da mulher do seu amigo, ao que ele lhe respondeu por entre
longas passas no seu cigarro: "Sabes o que é acordar de manhã, preparares
uma chávena de café e fumares um cigarro, apreciando todo este cenário e
considerando-o como algo único e revitalizante? Faço-o todas as manhãs e é algo
que me agrada bastante e me dá um prazer desconhecido, um prazer que vem de cá
de dentro. Acontece é que simplesmente não me deparei ainda com uma mulher com
a qual consiga partilhar este precioso momento do meu dia-a-dia em toda a sua
plenitude. Alguém que o compreenda e o sinta da mesma maneira que eu. Aos
vossos olhos pode parecer uma mera desculpa, uma idiotice até, mas asseguro-vos
do contrário. No entanto, não vos nego que anseio por que esse dia
chegue!", e dito isto, sorrindo, apagou o seu cigarro num cinzeiro na mesa
central.
A chuva
fazia-se sentir com grande intensidade, mas o percurso até ao seu consultório
ocorreu sem grandes percalços, tirando o facto de esporadicamente um ou outro espécime
canídeo partilhar o passeio o K.. Não se podia chamar de medo àquilo que ele
sentia, mas antes fobia. E era isso que ele achava! 'Cinofobia', encontrara ele
uma vez num dos seus livros da faculdade, "É isto que eu tenho!",
exclamara ele, vitorioso. Contudo, o seu receio perante aqueles animais era
inexplicável e até mesmo irracional, e nem ele próprio conhecia o porquê de ser
assim. "Algum acontecimento traumático que tenhas experienciado,
K.?", perguntara-lhe uma vez um colega seu. "Não sei.",
respondeu-lhe ele, algo abatido, "Se foi o caso, não me recordo". A
verdade é que K. evitava ao máximo o contacto com tais bichos, e sempre que conseguia,
evitava até que entrassem no seu campo de visão.
Eram já
perto das oito horas quando K. chegou finalmente ao número quarenta e dois da
Longden Street. Cumprimentando o porteiro com um simples aceno com a cabeça,
não lhe querendo interromper a ávida leitura da secção desportiva do jornal,
subiu as escadas calmamente. O longo corredor apresentava portas de ambos os
lados, portas essas que davam acesso tanto a gabinetes de advogados como a
consultórios médicos das mais diversas especialidades. O seu situava-se
precisamente ao fundo do corredor e podia-se ler na porta: 'Dr. K. - Médico de
tudo'. Era uma pequena graça que ele próprio decidira colocar ali e que o
forçava a um leve sorriso de cada vez que ali entrava. Despindo o pesado sobretudo
e desfazendo-se do guarda-chuva húmido, K. não se apercebeu de uma presença atrás
de si até que alguém falou.
"Bom
dia Mr. K.. Quer que lhe prepare alguma coisa?", perguntou amavelmente
Mrs. Abigail Bishop, a sua secretária e amiga de longa data.
"Credo,
Abigail! Não te tinha visto aí, pensei que ainda não tinhas chegado. Não será
necessário, lê-me apenas o que temos agendado para hoje de manhã.",
respondeu K., enquanto despia o seu casaco de tweed e o trocava por uma bata
branca.
"Ora,
hoje de manhã tem apenas uma consulta marcada com Mr. Basil Crompton às dez
horas.", disse a secretária, percorrendo a folha do caderno com o
indicador.
"Sabe
de que se trata?", questionou K.
"Creio
que não. Mr. Crompton não especificou o motivo da marcação.", replicou a
mulher.
"Hmm, Ok.
Ainda falta algum tempo para que ele chegue.", afirmou K. consultado o seu
velho relógio de pulso. "Vou aguardar no meu gabinete.".
Com um aceno
de concordância, Abigail sentou-se novamente à sua secretária, voltando-se para
o seu amontoado de papéis. Recolhido no seu gabinete, K. sentou-se na sua
grande cadeira rotativa e voltou-se para a janela, admirando a força com que
agora caíam e batiam as grossas gotas de água nos vidros da janela panorâmica.
A vista daquela janela era óptima num dia de sol, digna de um retrato, porém
hoje não era nada convidativa. As nuvens misturavam-se no céu numa mescla de
tons de cinzento e preto, parecendo mover-se milimétricamente de vez em quando.
K. estava confortavelmente sentado a olhar aquele espectáculo da natureza,
fumando cigarros despreocupadamente e perdendo-se em pensamentos.
A divisão em
que se encontrava era um pouco escura de mais, mas era assim que ele gostava do
seu espaço. Para além da pesada secretária de mogno que ocupava uma parte da
sala e da grande cadeira onde K. se costumava sentar, havia também um par de
cadeiras em frente à secretária e um divã castanho a um canto. Junto a uma das
paredes da sala repousava um antigo armário pinho que servia de lar a dezenas
de discos e livros, todos devidamente organizados. Aquele armário era a 'menina
dos seus olhos', tendo cada livro uma história e uma recordação saudosa, e cada
vinil uma ligação a um bom momento. A seu lado repousava um bonito gira-discos
vintage que tocava naquele momento o 'I Believe I'll Dust My Broom', de Robert
Johnson. Ao som do gira-discos, K. deixava-se levar pelo blues e relaxava antes
de inevitavelmente ter de trabalhar, sempre com um sorriso de satisfação e
prazer.
O cigarro
mal apagado deixava escapar os últimos restos de fumo cinzento e repousava
agora no cinzeiro, juntamente com tantos outros. Notava-se um agradável aroma
no ar que, aliado à música proveniente do gira-discos, criava uma atmosfera
agradável. Ouviu-se momentaneamente uma sequência de sons alheia àquela
atmosfera tranquilizante: três 'baques' surdos na porta que fizeram despertar
K. do seu transe, trazendo-o de volta à realidade. Passavam já dez minutos das
dez horas da manhã quando Abigail se acercou da porta do seu gabinente.
"Desculpe
Mr. K., mas Mr. Crompton acabou se chegar. Pode atendê-lo agora?",
questionou a secretária.
"Sim,
sim. Claro.", respondeu apressadamente o médico, enquanto se dirigia ao
armário para desligar a música que tão bem lhe sabia e fazia. "Mande-o
entrar!". Tentando recompor-se rapidamente, sentou-se de novo da sua
cadeira e esperou.
Segundos após
o breve diálogo com a secretária, uma personagem no mínimo caricata entrava
desajeitadamente no gabinete do médico. Mr. Basil ostentava um velho sobretudo
castanho completamente encharcado, da forte chuva que se fazia sentir lá fora,
e umas velhas roupas que não aparentavam ter sido recentemente lavadas. As
botas largavam poças de lama a cada passo que dava. A anterior atmosfera e
aroma dos cigarros fora substituída repentinamente por um cheiro nauseabundo
que lhe fazia lembrar o cheiro daqueles bichos que infelizmente costumava ver
na rua - cães. Grande parte da sua cara estava coberta por grandes barbas
pretas e o cabelo desgrenhado caía-lhe sobre a face. Ligeiramente chocado com
toda aquela inesperada cena, K. levantou-se para cumprimentar o indivíduo, e um
pouco a medo falou:
"Bom
dia Mr. Crompton. Sou o Dr. K..", apresentou-se K., estendendo-lhe a mão
direita para o casual cumprimento.
"Bons
dias, senhor doutor.", devolveu-lhe o indivíduo com um sorriso um pouco
forçado nos lábios, estendendo a mão esquerda para cumprimentar o médico.
K. achou o
gesto um pouco estranho e pouco habitual, mas depressa reparou que o homem
trazia a mão e antebraço direitos envoltos em panos velhos e manchados, que repousavam agora junto ao abdómen. O homem
estava já sentado numa das cadeiras existentes à frente da sua secretária de
mogno.
"Então,
o que o traz cá, Mr. Crompton?", pigarreou o médico com o olhar ainda a
percorrer a pobre criatura.
"Bem...
Sabe, senhor doutor, passa-se o seguinte.", anunciou o homem, ganhando
balanço para falar. A esta altura o cheiro era quase insuportável, devido à
proximidade, e imagens de cães passavam-lhe pela mente, como imagens oriundas
de um projector. "Há já algum tempo que notei que algo se passava comigo,
sabe, algo de anormal. No início começaram a crescer-me bolhas atrás das
orelhas. Não fiz caso delas até que se tornaram grandes bolhas, que iam
rebentando e largando um líquido viscoso e mal cheiroso. A partir daí a minha
mulher deixou de dormir comigo, sabe?", confessou o homem, visivelmente
abatido com aquele facto. K. não lhe conseguia ver as orelhas, que se
encontravam ocultas por baixo do vasto e espesso cabelo negro, mas conseguia
notar duas grandes protuberâncias, uma de cada lado do crânio. De rosto
cabisbaixo, o homem continuou o seu relato:
"Mas se
fossem só borbulhas estava eu bem! Das borbulhas começaram a nascer pêlos, como
se fosse barba, e as orelhas cresciam visivelmente todos os dias! Eu, que na
altura tinha ideias de cortar o cabelo, logo decidi não o fazer para tentar
ocultá-las ao máximo!", e dito isto, com a sua mão esquerda fez o típico
gesto de colocar o cabelo por trás da orelha, dando total visibilidade à mesma.
O que K. viu deixou-o no mínimo chocado. Nunca tinha visto uma orelha assim,
nem sequer estava familiarizado com maleita alguma que provocasse aquilo. Incrédulo
e de olhos arregalados, o médico apenas disse: "Prossiga, por
favor.", engolindo em seco logo de seguida.
"Depois
das orelhas, isto alastrou-se para o meu peito.Não sei como, mas aconteceu.",
articulou com dificuldade o homem, com os soluços do choro a intercalarem-se
com as palavras. "Tenho medo, senhor doutor... Ajude-me, por favor!
Peço-lhe!", implorou-lhe Mr. Crompton, com grossas lágrimas a cair e a desaparecerem
na barba espessa.
K. continuava
incrédulo com o relato do paciente. Paciente, porque era o que Mr. Crompton era
de facto para ele, e ele teria de agir como médico que era. Ganhando forças,
levantou-se da sua grande cadeira e contornando a secretária interpelou o
outro: "Mostre-me o peito, por favor. Vou examiná-lo". O homem acenou
afirmativamente com a cabeça e começou a desabotoar a camisa suja que trazia,
sempre com recurso à sua mão esquerda. O médico não achava que o que quer que
aquele homem tivesse pudesse ser contagioso, uma vez que ele não mencionara
nada disso no seu relato, caso contrário a mulher também teria sido ‘infectada’.
Contudo, mais por precaução e como forma de suportar melhor o cheiro que se
instalara na sala, o médico dirigiu-se a um armário com portadas de vidro, de
onde retirou um par de luvas e uma máscara. Colocando tudo com a rapidez
própria da experiência, avançou com pouca confiança para o paciente que se
encontrava já com o peito destapado.
A aparência daquele
peito era em tudo idêntica à da orelha que ficara a descoberto. Pêlos espessos
cobriam a zona, o tipo de pêlos que K. nunca antes tinha visto num humano. Eram
também visíveis grandes bolhas, uma espécie de infecção cutânea que parecia
expelir um líquido esbranquiçado e viscoso, tornando aquilo tudo numa visão
ainda mais asquerosa. Vencendo o reflexo do vómito do seu estômago, K. inspeccionou
mais de perto o peito destapado. Não tinha dúvidas que estava na presença de
uma infecção cutânea qualquer já em estado avançado, contudo desconhecia por
completo o porquê daqueles enormes pêlos. Tocou-lhes e examinou-os mais de
perto. Foi capaz de perceber que aquilo não era nem semelhante a cabelo nem a
nenhuma espécie de pêlos faciais. Eram exageradamente mais grossos, resistentes
e fortes. O médico tinha quase a certeza que aqueles pêlos apenas se
encontravam em animais. E foi nesse preciso momento que o seu coração começou a
bater depressa de mais, muito mais rápido do que uns segundos antes. Estava
assustado com aquilo em que pensara, e conseguia novamente ver imagens caninas
a passarem-lhe pela mente a toda a velocidade. Começou a recuar. O paciente,
que não conseguira conter o choro durante o rápido exame, suplicava-lhe por
entre lágrimas e soluços: "Por favor, doutor! Ajude-me!
Imploro-lhe!". Mas K. estava assustado, verdadeiramente assustado, e no
instante em que ia sair do alcance do seu paciente, este agarrou-lhe a mão,
impedindo-o de retroceder. Mr. Crompton agarrou K. com ambas as mãos, o que fez
com que os panos que até aí escondiam parte do braço direito caíssem sem vida
no chão.
"Veja
doutor! Veja o meu braço! Veja como ele está, por amor a Deus! Não posso ficar
assim, não me pode deixar assim... Cure-me, por favor!", gritava o
'doente', completamente desconsolado.
Mas naquele
momento K. já não via nada. Olhava, no entanto já não conseguia ver. O sangue
havia-lhe gelado nas veias, e o bater do seu coração confundia-se com os gritos
de desespero daquele homem. Sobre a sua mão estavam as duas daquele homem,
contudo uma delas não era propriamente uma mão. O que era suposto ser uma mão
direita, uma terminação de um braço teóricamente idêntico ao braço esquerdo,
não mais o era. Os piores pesadelos de K. haviam-se tornado verdade. Estava na
presença de um homem com uma anomalia totalmente desconhecida para ele, e que,
para piorar, personificava o seu medo. O braço direito daquele homem havia-se
transformado, por alguma mutação desconhecida, numa pata, indubitavelmente numa
pata canina. Quando K. extrapolou todos os factos que se lhe apresentavam
concluiu o que mais temia: aquele homem transformar-se-ia em cão. Apesar desta
ideia parecer completamente absurda, K. já não se encontrava em sim. A razão
fora vencida pelo medo.
Os seus
gritos e os do homem confundiam-se, ecoando pela sala. K. gritava de horror e
medo, e Basil gritava de desgosto e desespero. Mas a certa altura os dois
gritos fundiram-se num apenas. A sala já não era tão escura como o gabinete, e
já não havia nenhuma secretária de mogno com três cadeiras em seu redor. Já não
havia nenhum homem moribundo e mal-cheiroso para além de K.. Estava deitado na
sua cama, contorcendo-se violentamente e gritando em plenos pulmões. O horror
que estava a sentir era claramente reconhecível na sua voz rouca, mas ali
estava a salvo. Tudo se passava no interior da sua cabeça, nalgum recanto
sombrio em que os seus medos se transfiguram em sonhos. Todo este alarido
inesperado fez com que alguém acorresse rapidamente ao quarto. Era uma mulher.
Entrara de rompante na divisão. Dirigindo-se a um dos cantos pousou com agilidade
um pequeno tabuleiro com café e alguns cigarros em cima de uma cadeira vazia, acercando-se
rapidamente da cama. Agarrando os braços do marido, disse:
"K.,
meu amor! Estás a sonhar, está tudo bem!", dizia ela ao marido que ainda
se contorcia no meio da roupa da cama, numa tentativa de o acordar. Segundos mais
tarde, e depois de alguns abanões, K. abria finalmente os olhos, e arfando
fortemente tentava endireitar-se na cama. O suor escorria-lhe pela face,
enquanto ele se controlava, a custo.
"Desculpa
se te assustei. Estava a ter um pesadelo, desculpa.", desculpava-se K.,
ainda com dificuldade.
"Não
faz mal, meu amor. Está tudo bem, e eu estou aqui.", falava-lhe ela com
voz e sorriso ternurentos, acalmando-o aos poucos e envolvendo-o nos seus
braços.
Foram
precisos poucos minutos para que K. se recompusesse completamente do susto que
apanhara durante o sono, mas assim que se recompôs, ambos se levantaram e se seguiram
para a sala de estar. Junto do velho rádio encontravam-se duas poltronas
iguais, embora uma mais gasta que a outra. O relógio de parede marcava seis horas
e meia da manhã quando ambos se sentaram e serviram de uma chávena de café, acompanhada
por um cigarro. K. debruçou-se sobre o rádio, tentando não entornar o seu café,
e pressionou o botão que daria vida ao aparelho. Do nada, a voz profunda do
locutor inundou a sala:
"...
não havendo nenhum acidente a registar até ao momento! Mas que bela maneira de
se começar o dia, e que dia este! Hoje vamos ter o sol a brilhar sobre toda a
região. O bom tempo veio para ficar, afirmam os entendidos! Segundo as
informações disponibilizadas pelo Instituto de Meteorologia, vamos
ter uma temperatura máxima de 29ºC e uma mínima de 18ºC, o que me parece mesmo
muito bem! E agora, antes de passarmos às habituais notícias que marcam o nosso
dia até agora, é tempo de escutar este belo e intemporal tema de Chuck Berry. Senhoras
e senhores, 'You Never Can Tell’, de Chuck Berry!"
Assim que os
primeiros acordes ecoaram pela sala, K. olhou a sua mulher nos olhos e sorriu.
Sorriu porque sabia que não havia melhor banda sonora para ambos partilharem e
desfrutarem dos seus cafés e cigarros. Com um sorriso na cara, falou:
"Adivinha-se um bom dia hoje".
Rafael Silva
02.08.2014
quinta-feira, 24 de julho de 2014
41 minutos
02:49.
A tempestade faz-se abater sobre as débeis paredes da habitação. As janelas estremecem a cada rajada de vento e a chuva, essa não cessa. É esta a banda sonora de mais uma noite de insónia.
02:53.
Algo se passa. Sei o que é, apenas não tenciono admiti-lo. Não tão depressa, não agora.
Tremo. Os tremores intensificam-se e dificultam a escrita. Debato-me para levar as palavras da mente para a folha em branco. Não será em vão este meu esforço.
02:56.
A divisão encontra-se fria, é certo, contudo não é isso que me faz tremer. A dor de cabeça intensifica-se à medida que o temporal aumenta, atingindo o seu clímax. Se o mundo fosse um palco, eu estaria no centro, sozinho e imundo, agarrado a mim mesmo tentando suportar o peso de tudo. Mas não se passa assim. A vida não é uma peça de teatro e eu não sou nenhum actor.
03:01.
As palavras escapam-se por entre o turbilhão de pensamentos. Respiro fundo e olho o vazio.
03:05.
Pergunto-me pelo sono e pelo que o terá afugentado. No fundo, sei-o. Mas nem sempre o verdadeiro sentimento vem ao de cima, mesmo quando a razão aí mora. E a razão aqui morava.
03:11.
Fecho os olhos e tento afugentar os demónios que não partem nunca, e fazem questão de ficar. Algo os alimenta e os mantém à deriva no mar que é a minha mente.
03:20.
Nada a dizer. Estou apenas ainda mais desperto e não me sinto capaz de exprimir seja o que for. Se calhar não devia ser como sou. Não devia pressentir certos acontecimentos... Devia-me manter na minha humilde ignorância ao invés do meu inquieto sofrimento. Mesmo que não exista motivo algum de sofrimento, eu sofro em silêncio, como bom sofredor que sou.
03:27.
Não creio que este 'texto' resulte em algo, contudo, estou chateado e talvez isto me acalme. Não sei bem se o que escrevo agora fará sentido amanhã, ou se alguma vez fez sentido. Estou revoltado com o mundo e com a hipocrisia mundana. Quem me dera ser um albatroz ou algo do género...
03:30.
A tempestade parece ter parado. Pelo menos não parece estar a haver nenhum motim de Deuses lá fora. Dormirei mais descansado (penso eu, mesmo sabendo que tal acontecimento é improvável).
A tempestade faz-se abater sobre as débeis paredes da habitação. As janelas estremecem a cada rajada de vento e a chuva, essa não cessa. É esta a banda sonora de mais uma noite de insónia.
02:53.
Algo se passa. Sei o que é, apenas não tenciono admiti-lo. Não tão depressa, não agora.
Tremo. Os tremores intensificam-se e dificultam a escrita. Debato-me para levar as palavras da mente para a folha em branco. Não será em vão este meu esforço.
02:56.
A divisão encontra-se fria, é certo, contudo não é isso que me faz tremer. A dor de cabeça intensifica-se à medida que o temporal aumenta, atingindo o seu clímax. Se o mundo fosse um palco, eu estaria no centro, sozinho e imundo, agarrado a mim mesmo tentando suportar o peso de tudo. Mas não se passa assim. A vida não é uma peça de teatro e eu não sou nenhum actor.
03:01.
As palavras escapam-se por entre o turbilhão de pensamentos. Respiro fundo e olho o vazio.
03:05.
Pergunto-me pelo sono e pelo que o terá afugentado. No fundo, sei-o. Mas nem sempre o verdadeiro sentimento vem ao de cima, mesmo quando a razão aí mora. E a razão aqui morava.
03:11.
Fecho os olhos e tento afugentar os demónios que não partem nunca, e fazem questão de ficar. Algo os alimenta e os mantém à deriva no mar que é a minha mente.
03:20.
Nada a dizer. Estou apenas ainda mais desperto e não me sinto capaz de exprimir seja o que for. Se calhar não devia ser como sou. Não devia pressentir certos acontecimentos... Devia-me manter na minha humilde ignorância ao invés do meu inquieto sofrimento. Mesmo que não exista motivo algum de sofrimento, eu sofro em silêncio, como bom sofredor que sou.
03:27.
Não creio que este 'texto' resulte em algo, contudo, estou chateado e talvez isto me acalme. Não sei bem se o que escrevo agora fará sentido amanhã, ou se alguma vez fez sentido. Estou revoltado com o mundo e com a hipocrisia mundana. Quem me dera ser um albatroz ou algo do género...
03:30.
A tempestade parece ter parado. Pelo menos não parece estar a haver nenhum motim de Deuses lá fora. Dormirei mais descansado (penso eu, mesmo sabendo que tal acontecimento é improvável).
sábado, 10 de maio de 2014
A Euforia (Fado da Alma Vazia)
Quando eu dei por mim,
Era um pobre coitado.
Andava sem rumo,
Andava magoado.
Qunado era jovem,
Nada era sentido.
Tudo era falso,
Tudo olvidado.
Quando eu dei por mim,
Oh pobre coitado!
Chupava a garrafa
Até ao tutano.
A euforia!
O espanto!
Cheguei agora à casa,
Num pranto.
Estava tocado,
Embriagado.
Andava p'la rua
A pedir trocado.
Obrigado, vinho
Muito obrigado.
Deste-me a coragem,
De cantar o fado.
Mas que alegria!
Mas que magia!
Eu finalmente,
Sinto-me amado.
Oh maravilha!
Oh felicidade!
Levas o tempo,
Levas a vontade.
Oh maravilha!
Oh felicidade!
Levas-me a mim.
Levas-me o estandarte.
Era um pobre coitado.
Andava sem rumo,
Andava magoado.
Qunado era jovem,
Nada era sentido.
Tudo era falso,
Tudo olvidado.
Quando eu dei por mim,
Oh pobre coitado!
Chupava a garrafa
Até ao tutano.
A euforia!
O espanto!
Cheguei agora à casa,
Num pranto.
Estava tocado,
Embriagado.
Andava p'la rua
A pedir trocado.
Obrigado, vinho
Muito obrigado.
Deste-me a coragem,
De cantar o fado.
Mas que alegria!
Mas que magia!
Eu finalmente,
Sinto-me amado.
Oh maravilha!
Oh felicidade!
Levas o tempo,
Levas a vontade.
Oh maravilha!
Oh felicidade!
Levas-me a mim.
Levas-me o estandarte.
Mantras Para a Cura das Fobias Sociais (Repetir as vezes necessárias)
Eu gosto de falar com pessoas.
Eu gosto de conhecer estranhos.
Eu gosto de falar com estranhos.
Eu sinto-me seguro em público.
Eu sinto-me seguro em interacções sociais.
Eu sinto-me seguro ao conhecer pessoas novas.
Eu sinto-me seguro em lugares públicos.
Eu sinto-me seguro a ser o centro das atenções.
Eu sinto-me confortável a conhecer pessoas novas.
Eu sinto-me confortável ao falar com estranhos.
Eu sinto-me confortável ao andar em público.
Eu sinto-me bem.
Eu sinto-me seguro.
Eu sinto-me um com a Natureza.
Eu sinto-me feliz e extrovertido quando estou em público.
Eu sinto-me seguro aonde quer que vá.
Eu sinto-me segur comigo mesmo.
Eu sinto-me Seguro com amigos.
Eu sinto-me seguro a conhecer pessoas pela primeira vez.
Eu sinto-me seguro ao falar sobre mim mesmo.
Eu sinto-me normal em público.
Eu sinto-me normal a falar com outras pessoas.
Eu sinto-me normal a conhecer novas pessoas.
Eu sinto-me relaxado em público.
Eu sinto-me relaxado em interacções sociais.
Eu sinto-me relaxado ao conhecer novas pessoas.
Eu sinto-me relaxado ao expressar-me a mim mesmo.
Eu sinto-me relaxado a falar de mim mesmo.
Eu gosto de conhecer estranhos.
Eu gosto de falar com estranhos.
Eu sinto-me seguro em público.
Eu sinto-me seguro em interacções sociais.
Eu sinto-me seguro ao conhecer pessoas novas.
Eu sinto-me seguro em lugares públicos.
Eu sinto-me seguro a ser o centro das atenções.
Eu sinto-me confortável a conhecer pessoas novas.
Eu sinto-me confortável ao falar com estranhos.
Eu sinto-me confortável ao andar em público.
Eu sinto-me bem.
Eu sinto-me seguro.
Eu sinto-me um com a Natureza.
Eu sinto-me feliz e extrovertido quando estou em público.
Eu sinto-me seguro aonde quer que vá.
Eu sinto-me segur comigo mesmo.
Eu sinto-me Seguro com amigos.
Eu sinto-me seguro a conhecer pessoas pela primeira vez.
Eu sinto-me seguro ao falar sobre mim mesmo.
Eu sinto-me normal em público.
Eu sinto-me normal a falar com outras pessoas.
Eu sinto-me normal a conhecer novas pessoas.
Eu sinto-me relaxado em público.
Eu sinto-me relaxado em interacções sociais.
Eu sinto-me relaxado ao conhecer novas pessoas.
Eu sinto-me relaxado ao expressar-me a mim mesmo.
Eu sinto-me relaxado a falar de mim mesmo.
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